A
recente solicitação por parte do governo Dilma para que o projeto de lei do
Marco Civil da Internet tramite em regime de urgência, traz de imediato a
indagação do porque da demora na aprovação de um projeto de lei que já foi
amplamente debatido com a sociedade e que regulamenta aspectos fundamentais
para provedores de acesso, provedores de serviço, usuários e governos no
tocante à Internet.
A
resposta é que, apesar das consultas públicas e dos inúmeros debates a que foi
submetido o Marco Civil da Internet, um dos aspectos por ele regulado ainda
permanece pouco debatido e fora de consenso: a instituição da neutralidade de
rede.
Foi
pouco debatido por que se trata de conceito essencialmente técnico (com
requintes jurídicos e econômicos) que não foi devidamente destrinchado e
esclarecido à população leiga e está fora de consenso porque provedores de
acesso, provedores de conteúdo, usuários e especialistas divergem quanto à
necessidade e conveniência de se impor legalmente a neutralidade de rede.
Assim, vale tentar esclarecer o que é neutralidade de rede, bem como expor os
principais argumentos pró e contra sua imposição por força de lei.
Neutralidade
de rede é o princípio segundo o qual todo e qualquer tipo de dado, serviço ou aplicativo
por meio da Internet deve poder ser oferecido aos usuários e acessado por estes
sem qualquer restrição ou discriminação de preço ou velocidade seja em função
de sua origem ou destino, seja em função de sua natureza.
Sabemos
que os provedores de acesso à Internet já cobram de seus usuários preços
diferentes em virtude do volume e da velocidade de tráfego. O que se teme é que
os provedores de acesso passem a cobrar dos provedores de conteúdo para que o
conteúdo, os serviços e os aplicativos destes tenham exclusividade, prioridade
ou maior rapidez de tráfego. Mal comparando, seria como se uma concessionária
de rodovia pudesse cobrar de uma determinada montadora uma tarifa para que os
carros dessa montadora tivessem uma pista exclusiva, preferencial ou sem limite
de velocidade.
Entre
os principais argumentos contrários à imposição da neutralidade de rede
destaca-se o de que para conseguir financiar mais infraestrutura de rede, os
provedores de acesso precisariam cobrar remuneração adicional pelos benefícios
ou pelas vantagens adicionais de infraestrutura. Mais que isso, argumenta-se
que sem retorno adequado, não haverá incentivo para os investimentos
necessários para expansão e inovação na infraestrutura da Internet e esse
retorno adequado dependeria da possibilidade de se ofertar preços e
infraestrutura diferenciados.
Outro
argumento interessante contra a neutralidade de rede é o de que a possibilidade
de ofertar infraestrutura diferenciada e preços específicos para cada tipo de
conteúdo poderia propiciar uma maior concorrência entre os provedores de
acesso, pacotes de conteúdo mais customizados, com benefícios para os usuários
que não precisariam pagar pelo acesso a toda uma gama de serviços e aplicativos
que não usem ou não queiram usar.
Há,
ainda, quem argumente que a Internet tem por natureza a liberdade e que uma
imposição de neutralidade de rede seria um precedente perigoso, que poderia
justificar novas (e cada vez mais abrangentes) regulamentações que acabariam
por destruir o espírito de liberdade predominante na Internet. Eventuais
distorções e excessos cometidos pelos provedores de acesso deveriam ser
combatidos com a aplicação das leis e regulamentos já existentes destinados a
combater a concorrência desleal e não com uma legislação específica a impor a
neutralidade de rede na Internet.
Para
os que defendem a neutralidade de rede, no entanto, a Internet foi concebida
para permitir total liberdade de interação entre os usuários e os criadores de
conteúdo sem qualquer controle centralizado. Aos provedores de acesso caberia
tão somente assegurar a interação entre fornecedores de serviço e conteúdo e os
usuários, sem qualquer controle sobre o tráfego em si. Permitir aos provedores
de acesso discriminar ou favorecer determinados conteúdos em detrimento de
outros seria totalmente contrário à estrutura descentralizada da Internet.
Nesse
sentido, a aprovação de uma regulamentação impondo tratamento isonômico dos
conteúdos e acessos na Internet seria uma garantia de liberdade e de ausência
de controle do tráfego quer por empresas, quer por governos. E mesmo que se considere
um precedente de regulamentação da Internet, seria um precedente de
regulamentação para garantir e não para restringir a liberdade na Internet.
Segundo
o deputado relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon, os provedores
de conexão não querem a neutralidade da rede, mas milhões de internautas
querem. A questão não é tão simples assim e um ponto de equilíbrio dificilmente
será atingido sem um debate mais profundo e mais transparente.
No
entanto, esse debate não pode se estender para sempre. Até porque, por conta
dessa questão, temas igualmente relevantes, previstos no Marco Civil da Internet,
tais como a proteção dos usuários, a guarda de registros de conexão e de
acesso, a responsabilidade dos provedores de acesso e de conteúdo permaneçam sem
apreciação pelo Congresso Nacional.
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