terça-feira, 17 de setembro de 2013

Neutralidade de Rede e a urgência do Marco Civil da Internet

 
A recente solicitação por parte do governo Dilma para que o projeto de lei do Marco Civil da Internet tramite em regime de urgência, traz de imediato a indagação do porque da demora na aprovação de um projeto de lei que já foi amplamente debatido com a sociedade e que regulamenta aspectos fundamentais para provedores de acesso, provedores de serviço, usuários e governos no tocante à Internet.
 
A resposta é que, apesar das consultas públicas e dos inúmeros debates a que foi submetido o Marco Civil da Internet, um dos aspectos por ele regulado ainda permanece pouco debatido e fora de consenso: a instituição da neutralidade de rede.
 
Foi pouco debatido por que se trata de conceito essencialmente técnico (com requintes jurídicos e econômicos) que não foi devidamente destrinchado e esclarecido à população leiga e está fora de consenso porque provedores de acesso, provedores de conteúdo, usuários e especialistas divergem quanto à necessidade e conveniência de se impor legalmente a neutralidade de rede. Assim, vale tentar esclarecer o que é neutralidade de rede, bem como expor os principais argumentos pró e contra sua imposição por força de lei.
 
Neutralidade de rede é o princípio segundo o qual todo e qualquer tipo de dado, serviço ou aplicativo por meio da Internet deve poder ser oferecido aos usuários e acessado por estes sem qualquer restrição ou discriminação de preço ou velocidade seja em função de sua origem ou destino, seja em função de sua natureza.
 
Sabemos que os provedores de acesso à Internet já cobram de seus usuários preços diferentes em virtude do volume e da velocidade de tráfego. O que se teme é que os provedores de acesso passem a cobrar dos provedores de conteúdo para que o conteúdo, os serviços e os aplicativos destes tenham exclusividade, prioridade ou maior rapidez de tráfego. Mal comparando, seria como se uma concessionária de rodovia pudesse cobrar de uma determinada montadora uma tarifa para que os carros dessa montadora tivessem uma pista exclusiva, preferencial ou sem limite de velocidade.
 
Entre os principais argumentos contrários à imposição da neutralidade de rede destaca-se o de que para conseguir financiar mais infraestrutura de rede, os provedores de acesso precisariam cobrar remuneração adicional pelos benefícios ou pelas vantagens adicionais de infraestrutura. Mais que isso, argumenta-se que sem retorno adequado, não haverá incentivo para os investimentos necessários para expansão e inovação na infraestrutura da Internet e esse retorno adequado dependeria da possibilidade de se ofertar preços e infraestrutura diferenciados.
 
Outro argumento interessante contra a neutralidade de rede é o de que a possibilidade de ofertar infraestrutura diferenciada e preços específicos para cada tipo de conteúdo poderia propiciar uma maior concorrência entre os provedores de acesso, pacotes de conteúdo mais customizados, com benefícios para os usuários que não precisariam pagar pelo acesso a toda uma gama de serviços e aplicativos que não usem ou não queiram usar.
 
Há, ainda, quem argumente que a Internet tem por natureza a liberdade e que uma imposição de neutralidade de rede seria um precedente perigoso, que poderia justificar novas (e cada vez mais abrangentes) regulamentações que acabariam por destruir o espírito de liberdade predominante na Internet. Eventuais distorções e excessos cometidos pelos provedores de acesso deveriam ser combatidos com a aplicação das leis e regulamentos já existentes destinados a combater a concorrência desleal e não com uma legislação específica a impor a neutralidade de rede na Internet.
 
Para os que defendem a neutralidade de rede, no entanto, a Internet foi concebida para permitir total liberdade de interação entre os usuários e os criadores de conteúdo sem qualquer controle centralizado. Aos provedores de acesso caberia tão somente assegurar a interação entre fornecedores de serviço e conteúdo e os usuários, sem qualquer controle sobre o tráfego em si. Permitir aos provedores de acesso discriminar ou favorecer determinados conteúdos em detrimento de outros seria totalmente contrário à estrutura descentralizada da Internet.
 
Nesse sentido, a aprovação de uma regulamentação impondo tratamento isonômico dos conteúdos e acessos na Internet seria uma garantia de liberdade e de ausência de controle do tráfego quer por empresas, quer por governos. E mesmo que se considere um precedente de regulamentação da Internet, seria um precedente de regulamentação para garantir e não para restringir a liberdade na Internet.
 
Segundo o deputado relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon, os provedores de conexão não querem a neutralidade da rede, mas milhões de internautas querem. A questão não é tão simples assim e um ponto de equilíbrio dificilmente será atingido sem um debate mais profundo e mais transparente.

No entanto, esse debate não pode se estender para sempre. Até porque, por conta dessa questão, temas igualmente relevantes, previstos no Marco Civil da Internet, tais como a proteção dos usuários, a guarda de registros de conexão e de acesso, a responsabilidade dos provedores de acesso e de conteúdo permaneçam sem apreciação pelo Congresso Nacional.


(Originalmente publicado no Última Instância)

 

 

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