A recente
aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) da Proposta
de Emenda Constitucional nº 03/11 (PEC 03/11) consolida uma série de mudanças
ao texto da Constituição Federal entre as quais se destacam: (i) a
possibilidade de propostas de emenda constitucional por iniciativa popular;
(ii) a redução, de 1% para 0,5%, do quórum mínimo do eleitorado nacional
necessário para propositura de projetos de leis complementares e ordinárias e;
(iii) a possibilidade de
coleta de assinaturas por meio eletrônico.
Tanto a ampliação da possibilidade da iniciativa popular na propositura de emendas constitucionais e/ou projetos de lei, quanto a permissão de coleta de assinaturas por meio eletrônico vêm sendo objeto de debates, questionamentos e preocupações.
Para uns,
a facilitação da iniciativa popular no processo de elaboração legislativa,
enfraqueceria a democracia representativa, reduzindo a importância do papel das
instituições legislativas no debate e na construção das normas legais. Além
disso, alegam que a utilização de meios eletrônicos para coleta de assinaturas
poderia proporcionar um campo fértil para fraudes e ilegalidades.
Para
outros, a redução do número de assinaturas necessárias para apresentação de
projetos de lei de iniciativa popular fortaleceria o congresso nacional, na
medida em que o obrigaria a debater e votar mais projetos de lei de iniciativa
popular, aumentando assim a legitimidade e representatividade dos
congressistas. A utilização de meios eletrônicos para coleta de assinaturas,
para esses, apenas aumentaria a interlocução entre a população e o Congresso
Nacional, representando a constitucionalização da internet como veículo de
cidadania.
Nem uma
coisa, nem outra. Quanto à representatividade, as manifestações dos últimos
meses deixaram claro que o que a população realmente quer é participar do
debate das questões que afetam a vida e o destino de todos e de cada um e que,
principalmente os mais jovens, querem (e vão) participar desse debate usando
todas as ferramentas de que dispõem, incluindo protestos e manifestações nas
ruas e na internet. Querem ter acesso aos políticos, querem dar sua opinião,
querem entender os textos legais, querem colaborar na redação da lei, querem
ter certeza de como a questão funcionará na prática. Isto entendido, de nada
adianta facilitar emendas constitucionais ou projetos de lei de iniciativa
popular e não assegurar a efetiva participação da população no debate!
Isso fica
claro quando se percebe que os prefeitos (todos democraticamente eleitos com
votos diretos da maioria da população) perdem o apoio popular menos de um ano
após eleitos, simplesmente por taparem os ouvidos às manifestações legítimas
dos jovens; quando se percebe que as manifestações não cessam, nem mesmo com o
atendimento das principais reivindicações populares por Municípios, Estados,
União e Congresso Nacional; quando se percebe que o que se quer não é a reforma
política em si (nem mesmo via plebiscito), mas sim discutir como se fará a
reforma política.
Isso fica
claro também quando se presta atenção nos poucos e louváveis exemplos de
iniciativas legislativas concebidas, gestadas e apresentadas ao Congresso
Nacional depois de farto e democrático processo de consulta pública. Tomo como
exemplo, o projeto de lei do Marco Civil da Internet que estabelece o marco
regulatório para internet no Brasil. Não decorre de iniciativa popular, mas foi
submetido à consulta pública via internet, num procedimento que o apresentou
para toda a população e que possibilitou o esclarecimento de dúvidas, a acomodação
de posições conflitantes, a correção de imprecisões, a abordagem de questões
inicialmente esquecidas e, principalmente, a oitiva de todo e qualquer
interessado. Mais que isso, resultou num novo texto, enriquecido, legitimado e
novamente apresentado para análise "on line" de todos. Um detalhe:
todos os comentários e sugestões foram devidamente publicados e comentados sem
qualquer incidente de fraude ou questionamento! Infelizmente, desde que se
transformou em projeto de lei está tramitando no Congresso Nacional sem
previsão de ser votado.
É o
procedimento (e não os requisitos) de propositura, análise e debate das emendas
constitucionais e projetos de lei no Congresso Nacional que é falho. Portanto,
facilitar a iniciativa popular direta no processo legislativo não representa,
por si só, risco à democracia representativa, nem implica enfraquecimento do
Congresso Nacional. Mas tampouco resolverá, por si só, o problema da falta de
diálogo entre Congresso Nacional e população.
A
utilização de meios eletrônicos na coleta de assinaturas para validar projetos
de lei de iniciativa popular não devia ser um assunto polêmico. É bom lembrar
que a quase totalidade dos cidadãos brasileiros há anos já vota por meio da
urna eletrônica, já faz suas declarações de imposto de renda e paga seus
tributos por meios eletrônicos e/ou via internet. Os próprios políticos e
congressistas decidiram apresentar projeto de lei flexibilizando o uso de
internet nas campanhas políticas.
E ainda
que seja forçoso reconhecer que riscos de fraude sempre existirão, nem por isso
deixa-se de votar ou de utilizar a internet por conta disso. Há soluções
tecnológicas capazes de mitigar tais riscos e assegurar a lisura dos
procedimentos.
Mas,
novamente, admitir a internet e outras tecnologias no processo de participação
política e de elaboração legislativa não assegura, por si só, a "cidadania
eletrônica", expressão utilizada pelo relator da PEC 03/11, o Sen.
Lindbergh Farias. Como os milhares de cidadãos que recentemente saíram às ruas
para protestar, ele sabe muito bem que nem só de tecnologia se faz uma
democracia.
(Originalmente publicado no Última Instância)
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