terça-feira, 6 de agosto de 2013

Democracia Digital




A recente aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) da Proposta de Emenda Constitucional nº 03/11 (PEC 03/11) consolida uma série de mudanças ao texto da Constituição Federal entre as quais se destacam: (i) a possibilidade de propostas de emenda constitucional por iniciativa popular; (ii) a redução, de 1% para 0,5%, do quórum mínimo do eleitorado nacional necessário para propositura de projetos de leis complementares e ordinárias e; (iii) a possibilidade  de coleta de assinaturas por meio eletrônico.

Tanto a ampliação da possibilidade da iniciativa popular na propositura de emendas constitucionais e/ou projetos de lei, quanto a permissão de coleta de assinaturas por meio eletrônico vêm sendo objeto de debates, questionamentos e preocupações.

Para uns, a facilitação da iniciativa popular no processo de elaboração legislativa, enfraqueceria a democracia representativa, reduzindo a importância do papel das instituições legislativas no debate e na construção das normas legais. Além disso, alegam que a utilização de meios eletrônicos para coleta de assinaturas poderia proporcionar um campo fértil para fraudes e ilegalidades.

Para outros, a redução do número de assinaturas necessárias para apresentação de projetos de lei de iniciativa popular fortaleceria o congresso nacional, na medida em que o obrigaria a debater e votar mais projetos de lei de iniciativa popular, aumentando assim a legitimidade e representatividade dos congressistas. A utilização de meios eletrônicos para coleta de assinaturas, para esses, apenas aumentaria a interlocução entre a população e o Congresso Nacional, representando a constitucionalização da internet como veículo de cidadania.

Nem uma coisa, nem outra. Quanto à representatividade, as manifestações dos últimos meses deixaram claro que o que a população realmente quer é participar do debate das questões que afetam a vida e o destino de todos e de cada um e que, principalmente os mais jovens, querem (e vão) participar desse debate usando todas as ferramentas de que dispõem, incluindo protestos e manifestações nas ruas e na internet. Querem ter acesso aos políticos, querem dar sua opinião, querem entender os textos legais, querem colaborar na redação da lei, querem ter certeza de como a questão funcionará na prática. Isto entendido, de nada adianta facilitar emendas constitucionais ou projetos de lei de iniciativa popular e não assegurar a efetiva participação da população no debate!

Isso fica claro quando se percebe que os prefeitos (todos democraticamente eleitos com votos diretos da maioria da população) perdem o apoio popular menos de um ano após eleitos, simplesmente por taparem os ouvidos às manifestações legítimas dos jovens; quando se percebe que as manifestações não cessam, nem mesmo com o atendimento das principais reivindicações populares por Municípios, Estados, União e Congresso Nacional; quando se percebe que o que se quer não é a reforma política em si (nem mesmo via plebiscito), mas sim discutir como se fará a reforma política.

Isso fica claro também quando se presta atenção nos poucos e louváveis exemplos de iniciativas legislativas concebidas, gestadas e apresentadas ao Congresso Nacional depois de farto e democrático processo de consulta pública. Tomo como exemplo, o projeto de lei do Marco Civil da Internet que estabelece o marco regulatório para internet no Brasil. Não decorre de iniciativa popular, mas foi submetido à consulta pública via internet, num procedimento que o apresentou para toda a população e que possibilitou o esclarecimento de dúvidas, a acomodação de posições conflitantes, a correção de imprecisões, a abordagem de questões inicialmente esquecidas e, principalmente, a oitiva de todo e qualquer interessado. Mais que isso, resultou num novo texto, enriquecido, legitimado e novamente apresentado para análise "on line" de todos. Um detalhe: todos os comentários e sugestões foram devidamente publicados e comentados sem qualquer incidente de fraude ou questionamento! Infelizmente, desde que se transformou em projeto de lei está tramitando no Congresso Nacional sem previsão de ser votado.

É o procedimento (e não os requisitos) de propositura, análise e debate das emendas constitucionais e projetos de lei no Congresso Nacional que é falho. Portanto, facilitar a iniciativa popular direta no processo legislativo não representa, por si só, risco à democracia representativa, nem implica enfraquecimento do Congresso Nacional. Mas tampouco resolverá, por si só, o problema da falta de diálogo entre Congresso Nacional e população.

A utilização de meios eletrônicos na coleta de assinaturas para validar projetos de lei de iniciativa popular não devia ser um assunto polêmico. É bom lembrar que a quase totalidade dos cidadãos brasileiros há anos já vota por meio da urna eletrônica, já faz suas declarações de imposto de renda e paga seus tributos por meios eletrônicos e/ou via internet. Os próprios políticos e congressistas decidiram apresentar projeto de lei flexibilizando o uso de internet nas campanhas políticas.

E ainda que seja forçoso reconhecer que riscos de fraude sempre existirão, nem por isso deixa-se de votar ou de utilizar a internet por conta disso. Há soluções tecnológicas capazes de mitigar tais riscos e assegurar a lisura dos procedimentos.


Mas, novamente, admitir a internet e outras tecnologias no processo de participação política e de elaboração legislativa não assegura, por si só, a "cidadania eletrônica", expressão utilizada pelo relator da PEC 03/11, o Sen. Lindbergh Farias. Como os milhares de cidadãos que recentemente saíram às ruas para protestar, ele sabe muito bem que nem só de tecnologia se faz uma democracia.


(Originalmente publicado no  Última Instância)

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