Alguma
vez você se perguntou o que vai acontecer com seus arquivos digitais quando você
morrer? Qual o destino de todos os seus
e-mails, textos, fotos e demais arquivos espalhados pela Internet, seja na sua
conta de e-mail, no seu blog, no Facebook ou no Instagram?
A
Internet criou novas situações e trouxe dúvidas sobre como essas novas
situações devem ser reguladas. Afinal, aquela biblioteca inteira de livros
digitais adquiridos na Amazon ou aquela coleção de músicas compradas por meio
do iTunes será perdida com a morte de seu titular? A quem pertencerá e quem
poderá usufruir tais bens imateriais após sua morte?
Casos
inusitados ao redor do mundo trouxeram o debate acerca da necessidade da
regulamentação dos bens e direitos relativos aos dados pessoais na Internet,
como o caso de Melissa Bonifas que teve de requerer judicialmente a
exclusão do perfil do Facebook de sua irmã que, apesar de falecida, continuava
viva no mundo virtual.
Atualmente,
o Facebook já prevê em seus termos de uso procedimento específico para transformar o
perfil de uma pessoa falecida em um memorial. Outra opção dada pela empresa é o encerramento da conta, desde que
determinados critérios sejam cumpridos. De toda forma, solicitações especiais
relacionadas à conta de um usuário falecido podem ser submetidas por meio de formulário próprio. O Gmail, por sua vez, estabelece procedimento a ser seguido caso alguém queira acessar o
email de uma pessoa falecida. Outros provedores também têm procedimentos
específicos para a solicitação de cancelamento da conta de um usuário falecido,
como o Orkut e o LinkedIn. Todavia, tal procedimento envolve apenas o encerramento da conta, não
havendo menção sobre eventual permissão de acesso a eventuais arquivos
armazenados na rede. Todavia, como a decisão final fica sempre a critério do
provedor, eventualmente pode ser necessário acionar o Poder Judiciário.
A
fim de solucionar a questão, o Google criou recentemente o Gerenciador de Contas Inativas, ferramenta por meio da qual o usuário
consegue estabelecer o que deve acontecer com fotos, e-mails e documentos
quando parar de utilizar sua conta por determinado período de tempo.
Configurando esta ferramenta (inclusive definindo a partir de quando sua conta
deve ser considerada inativa), o usuário pode determinar que os dados sejam
compartilhados com um amigo ou familiar ou, ainda, que sua conta seja
definitivamente excluída.
No
que diz respeito à música, a política do iTunes estabelece que ele é um "prestador
do Serviço, que lhe permite adquirir ou alugar uma licença para conteúdo
digital ("Produtos iTunes") para utilização apenas por utilizador
final ao abrigo dos termos e condições estabelecidos neste Acordo" e prevê
que você "não pode alugar, locar,
emprestar, vender, transferir, redistribuir, ou sub-licenciar a Aplicação
Licenciada e, se vender o seu Computador Mac ou Dispositivo iOS a um terceiro,
tem de remover a Aplicação Licenciada do Computador Mac ou Dispositivo iOS
antes de efetuar a venda". Assim, é possível entender que toda a
coleção de músicas adquirida via iTunes será perdida em caso de falecimento de
seu titular.
Os termos de uso do iCloud vão ainda mais longe prevendo expressamente a "Não existência de Direito de Sucessão" ("No Right of Survivorship", na
versão em inglês), pela qual o usuário "concorda que a sua Conta é não-transferível e que quaisquer direitos à
sua Apple ID ou Conteúdo dentro da sua Conta terminam com a sua morte. Quando
da recepção de cópia de uma certidão de
óbito a sua Conta poderá ser terminada e todo o Conteúdo dentro da sua Conta
eliminado".
A
despeito disso, a Apple recentemente obteve patente intitulada "Managing Access to Digital Content Items" ("Gerenciando o
Acesso a Itens de Conteúdo Digital" numa tradução livre), pela qual são
fornecidas técnicas para gerenciar o acesso a um item de conteúdo digital (como
um ebook, música, filme, software ou aplicativo) permitindo que referido item
seja transferido de um usuário para outro. Isso mostra a intenção da empresa em
possibilitar num futuro próximo a transferência de itens digitais ainda que
apenas no caso de revenda.
Pesquisa realizada no Reino Unido mostrou que apenas 20% dos adultos já pensou o
que vai acontecer com seus perfis online no caso de sua morte. Ademais, 45% dos
entrevistados entre 18-24 anos prefere que seu perfil continue online enquanto
apenas 25% dos acima de 55 anos informou ter este desejo.
Considerando
que determinados bens digitais podem envolver a privacidade do falecido (i.e.,
mensagens eletrônicas, protegidas por senha antes de sua morte, passam a ser
acessíveis aos herdeiros, após o seu falecimento) e que nem sempre é intenção
deste que os herdeiros tenham acesso a tais conteúdos digitais, é importante
que o titular determine por escrito sua vontade com relação ao acesso e
utilização de tais bens, se possível por meio de um testamento.
Diversas
empresas já oferecem informações e serviços visando facilitar o gerenciamento post mortem de bens digitais. O site
"The Digital Beyond",
por exemplo, trata apenas de questões relacionadas ao tema. Já a Aftersteps
criou um infográfico sobre os procedimentos a serem seguidos em caso de falecimento nos sites
mais famosos, como: Google, Hotmail, Facebook, Twitter, LinkedIn, Instagram,
Tumblr, Dropbox, PayPal, Amazon, dentre outros.
Veja
outros exemplos de empresas que oferecem serviços relacionados ao assunto:
Cirrus
Legacy: permite fazer um inventário
de contas de email ou de cadastros de empresas de e-commerce, com determinação
prévia do que será repassado e o que será destruído em caso de falecimento.
Dead Man's Switch: permite enviar mensagens
para pessoas determinadas em caso de morte.
DocuBank: permite que o usuário indique uma pessoa
que terá acesso aos seus arquivos uma vez comprovada sua morte ou incapacidade
permanente.
Eterniam: permite armazenar, compartilhar e publicar
conteúdos como mensagens, fotos, arquivos e documentos. O usuário pode designar
beneficiários, estabelecendo se os mesmos terão acesso imediato ao conteúdo ou
apenas após sua morte. Após a notícia e comprovação da morte do usuário, os
beneficiários terão acesso aos arquivos digitais do usuário por 2 anos.
Arquivos marcados como "privados" pelo usuário não poderão ser acessados.
E-Z-safe: permite armazenar ativos digitais durante a
vida e transferi-los para pessoas de sua confiança de forma tempestiva.
ifidie: aplicativo do Facebook que permite a criação de um vídeo ou de uma
mensagem a ser publicada em caso de morte.
ifidie.org: permite deixar instruções sobre o que fazer
com seu animal de estimação ou diários no caso de morte ou ainda escrever cartas
para pessoas queridas a serem enviadas postumamente.
Legacy
Locker: repositório seguro
de propriedade digital vital que permite o acesso por amigos e familiares no
caso de morte ou incapacidade.
Mi
Legado Digital: serviços de
assessoria, administração e execução de legado digital.
Security Safe: cofre online com servidores localizados na
Suíça que promete manter em segurança dados e senhas.
Se eu morrer primeiro:
permite cadastrar até 10 pessoas e 2 grupos familiares e amigos para receber
por e-mail as mensagens em caso de morte.
No
Brasil, tramitam atualmente no Congresso Nacional dois projetos de lei que
tratam do assunto. Um deles, o Projeto de Lei nº 4.099/2012 ("PL
4099"), visa alterar o artigo 1.788 do Código Civil para prever que “Serão
transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de
titularidade do autor da herança”.
O
Projeto de Lei nº 4.847/2012 ("PL 4847") estabelece que "A
herança digital defere-se o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é
possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I.-
senhas; II.- redes sociais; III.- contas da Internet; IV.- qualquer bem e
serviço virtual e digital de titularidade do falecido".
O
PL 4847 prevê ainda que se o falecido não tiver deixado testamento, a herança
será transmitida aos herdeiros legítimos. Também segundo o PL 4847 caberá ao
herdeiro definir o destino das contas do falecido seja para transformá-las em
memorial, apagar o conteúdo ou remover a conta.
Até
que se regulamente especificamente essa questão, os casos específicos deverão
ser solucionados judicialmente com base nas disposições genéricas do Código
Civil.
(Originalmente publicado no Última Instância)
(Originalmente publicado no Última Instância)